20.11.04

Conto SÓ

A manhã estava límpida, de ar transparente e morno, com ligeira brisa.
Tinha pois todo o tempo para fazer o que se propunha fazer, de mansinho, apreciando cada passo.
Desceu o Chiado, onde já não vinha há imenso tempo, por que seria? Não conseguia lembrar-se da última vez que descera por ali depois de um café tomado na Brasileira, na companhia da Maria, teria sido?...
Abanou a cabeça, sacudindo dúvidas que o que importava agora era a Rua Augusta, para onde ia, buscando cores e formas, tudo era tão monótono de há uns tempos para cá…
Quem lhe tinha levado as mantas p’ra fealdade? Como poder olhar em volta e só ver desamores! Tinha que tapar tudo com cores alegres, amarelos…desta vez levaria tudo amarelo, com um pouco de laranja, da cor do Sol.
Começou então a ouvir passos atrás de si e acelerou as passadas, que eram miudinhas, de criança e voltou-se uma vez ou duas para ver quem a seguia…só sombras!
Apertou o saco ao peito e continuou o caminho, agora mais desconfiada, olhando por cima do ombro…mas as pessoas passavam por ela e seguiam, algumas riam, outras abanavam a cabeça e pareciam zangadas.não as entendia, falavam baixo e parecia em outra língua que não era a sua.
Perguntou que horas eram, encolheram os ombros e abanaram a cabeça, como quem não quer saber e depois começaram a empurra-la, encostou-se à parede e defendeu-se com os braços, não queria que lhe batessem e começou a chorar…
E ainda chorava baixinho quando a descobriram no vão de escada, onde se escondera, só com a camisa de dormir vestida e um saco para água quente agarrado ao peito.
A manhã ficara mais triste e a vida mais sombria…

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