Rangeram as palavras aprisionadas num resignado esquecimento,voltaram os tempos das lembranças, os 30 e 40, os da minha meninice.
Teria quatro, cinco anos? o avô materno, homem sereno de voz tranquila, tinha morrido.
Sempre me lembrava dele sentado numa cadeira ao pé da braseira na loja de minha mãe, ou à fornalha da oficina onde batia chapa.
Os pais decidiram levar-me para casa da minha avó paterna nos primeiros dias de luto, fazia-se uma mala com a roupinha necessária, em cima duma cadeira junto à porta do quintal.
Poucos dias antes minha mãe comprara-me uns "soquetes" de uma das cores do arco-íris, vermelhas ou amarelas, disso já não me lembro, fui buscá-las e coloquei-as na mala, mas a mãe disse que aquelas eram muito garridas e nós estávamos de luto (as crianças naquela época vestiam de negro também) e voltou a metê-las na gaveta.
É a lembrança mais antiga, SEI exactamente onde voltei, sorrateiramente, a esconder os soquetes, escondidos debaixo da roupa, na mala que estava em cima duma cadeira, junto à porta do quintal.
Não esqueci também o sorriso meigo de minha mãe, que tudo viu, e deixou que uma das cores do arco-iris fosse mais importante do que o negro do luto, afinal eu era uma menininha e tinha muitos anos pela frente para ter saudades do olhar meigo do meu avô, que espreita agora através do sorriso do meu filho.
Modestas palavras estas que dedico a quem me fez lembrar e escrever a mais antiga lembrança duma vida já longa de quase 77 anos,
para ti "bettips", com um beijo,
theo