4.2.05

O caos...

Ficheiros de base estão desactualizadosCobrança de dívidas fiscais está bloqueada há meses

João Ramos de AlmeidaPÚBLICO
Problemas no sistema informático complicam a vida de quem pretende regularizar a sua situação fiscal. Situação agrava-se no últimos dias de cada mêsHá meses que os funcionários das repartições de Finanças têm sentido imensas dificuldades em receber o pagamento voluntário de dívidas fiscais por parte dos contribuintes, devido ao bloqueio a nível nacional da aplicação informática relacionada com as execuções fiscais.Nos passados dias 30 e 31 de Janeiro, o sistema esteve, mais uma vez, bloqueado, sem que pudesse ter sido possível cobrar. “É assim todos os meses”, desabafa o responsável de um dos serviços locais. Anteontem, “os contribuintes tiveram de se ir embora porque não havia guias de pagamento”, depois de terem esperado longos períodos. Essas dificuldades são sentidas, sobretudo, no final de cada mês, ou seja, precisamente no final do prazo a partir do qual se inicia a cobrança de juros. A dúvida que se coloca é o que acontecerá aos contribuintes que, por incapacidade da administração, se vêem forçados a pagar fora de prazo e são, por isso, punidos com juros de mora.Os próprios responsáveis dos serviços locais reclamam junto aos serviços centrais, mas não obtêm respostas nem melhorias. Ao contrário: o director-geral dos Impostos remeteu instruções para os serviços não enviarem mais “mails” de chamada de atenção porque estava já a par da situação. Mas ao PÚBLICO, o Ministério das Finanças não explicou, ao fim de dois dias, a causa desse bloqueio, nem o que acontecerá aos contribuintes, designadamente como poderão reaver os juros cobrados indevidamente. Legislação a mais e poder informático A causa para este transtorno operacional está, segundo apurou o PÚBLICO, na gestão do ficheiro dos devedores fiscais, um dos quebra-cabeças da administração fiscal e da sua informatização.Trata-se de um dos ficheiros e das aplicações essenciais, de base, que alimentam as aplicações de conta-corrente de contribuintes, mas que arrastam problemas ao longo de anos. E que se complica por diversas razões. Primeiro, os ficheiros de base encontram- se desactualizados. O tema tem sido objecto de comentários e desconfianças várias por parte dos dirigentes tributários, designadamente em reuniões em que afirmaram não pôr as mãos no fogo sobre a sua veracidade; ou quando, em 2003, a assinatura com o grupo Citigroup para a “titularização” das dívidas obrigou a um exame desses ficheiros, dada a desconfiança do seu conteúdo. Essas dúvidas contaminam ainda as novas aplicações, dado que ainda está em curso a migração dos elementos do antigo Programa de Execuções Fiscais (PEF) para o SEF - Sistema de Execuções Fiscais (já com cerca de cinco anos). A situação agrava-se quando, por qualquer razão, o sistema não se actualiza com o pagamento de dívidas feito pelo contribuinte, sendo este notificado de dívidas já inexistentes – e, às vezes, com ameaças de penhora. Depois, segundo dados recolhidos, mesmo as novas aplicações informáticas fragilizam-se com a complicação fiscal sucessivamente criada à medida que, anualmente, os diversos governos vão alterando a lei. O maior número de parametrizações, excepções, taxas diversas, dificulta o funcionamento quotidiano do sistema. Esta foi, aliás, uma das causas de bloqueios recentes. Em terceiro lugar, de acordo com elementos recolhidos, a informatização não cortou com o poder instalado e de intervenção por parte de certos níveis dos serviços tributários. Um poder que, como já assinalou o Tribunal de Contas, introduz margens de arbitrariedade de quem decide ou manuseia o sistema. Em vez de cortar níveis de intervenção burocrática, as aplicações apenas os informatizou, ou seja, quanto maior o número de intervenientes e de possíveis movimentos, maior o risco de bloqueio do sistema, agravado se esses movimentos ocorrerem na mesma altura do mês. Acresce que o sistema operacional foi desenhado para 500 a 600 operadores quando, afinal, actualmente lidam com ele cerca do dobro, o que o tornou mais lento e moroso. O sistema aceita a abertura de processos e deve emitir uma certidão de dívida que notifica o contribuinte para pagar. Na sua presença, o sistema deverá fazer sair uma guia de pagamento cuja liquidação anula a dívida. Mas “os contribuintes chegavam a ficar meia hora encostados aos balcões, à espera da guia de pagamento”, explica um funcionário tributário. Há quatro meses, quando o sistema bloqueou durante semanas, os serviços da Direcção-Geral de Informática e de Apoio aos Serviços Tributários e Alfandegários (Dgita) tentaram solver o problema, criado por se ter mudado para um modelo mais recente de base de dados (Oracle 8i para 9i). Segundo indicações recolhidas, as empresas contratadas – Oracle e Accenture, responsável pela programação há cerca de três a quatro anos – foram igualmente pressionadas a encontrar soluções, designadamente depois do bloqueio ter sido noticiado. Verificou-se uma intervenção significativa, designadamente por parte da Oracle, mas, ao fim desses meses, a situação mantém-se. A Oracle não se quis pronunciar sobre o caso. O Ministério das Finanças foi convidado a explicar o que se passa e a encontrar soluções para os contribuintes lesados com juros de mora, mas não houve resposta até ao fecho da edição.

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