1.2.06
Ludovina
Ludovina, cujo invulgar nome a tinha já feito passar embaraços, era uma senhora simpática e que ainda conservava traços duma beleza doce e gentil.
Vivia sozinha, embora tivesse a visita da sobrinha dia sim, dia não, não se sentia só pois para além de se ocupar de todos os trabalhos de dona de casa ainda dava assistência a uma vizinha acamada e muito mais velha do que ela.
Logo de manhã cedo ia à padaria buscar pão, ainda quente, com que preparava o pequeno-almoço, que levava também à D. Elvira, a quem ajudava a fazer a higiene diária. Uma vez por semana tinham uma mulher-a-dias que durante todo o dia lhes fazia os trabalhos mais pesados.
Ludovina era a mais velha de quatro irmãos, dos três rapazes um falecera num desastre de automóvel e os outros dois eram casados e viviam longe, lá para o Norte.
Ana, a sobrinha, vivia em casa duma tia, da parte da mãe, desde que viera para Lisboa estudar.
Quando de dum dia para o outro D. Elvira piorou de tal maneira que foi preciso interna-la, Ludovina foi quem a preparou e avisou a única família que lhe restava, uma prima que vivia do outro lado do rio e a quem tinha sido feito um testamento, sendo ela a única herdeira da razoável fortuna que ainda restava dos avós de ambas.
Com D. Elvira no hospital, sobrava tempo a Ludovina, que começou a pensar numa maneira de ser útil e se ocupar para não cair na monotonia dos dias.
Foi então que se lembrou de retomar, embora actualizada, a actividade que era a sua antes de se casar.
Tinha-se casado muito tarde e enviuvara cedo, por isso nem era assim há muitos anos que tinha sido tradutora de uma empresa bem cotada da capital.
Com acesso às novas tecnologias até iria ser bem mais fácil executar o trabalho para o qual estava bem preparada.
Algumas das suas leituras eram sempre na língua original, o inglês, pelo que se achava capaz de continuar o trabalho que desempenhara tantos anos.
Ana tinha-a incentivado e vinha-lhe fazer companhia agora apenas uma vez por semana, mas sempre radiante, estava apaixonada e queria ir viver sozinha, logo que acabasse o curso, pois emprego já tinha.
………………………………………………………..
Passaram quatro anos, D. Elvira tinha morrido, deixando a Ludovina, que continuava o seu trabalho de tradutora, uma pequena pensão enquanto fosse viva.
Ana tinha uma vida razoavelmente tranquila, não fora ser considerada à margem da sociedade por viver com a companheira que escolhera e que amava de verdade. As duas se completavam e sentiam um grande carinho por Ludovina, que depois de um período de reflexão as aceitou como um casal.
Neste instante ouvem as notícias na televisão que versam o casamento entre homossexuais.
O caso de duas lésbicas que pretendem casar.
O BE quer levar à AR a discussão que visa oficializar tantas uniões de facto.
Ludovina fica pensando que se lhe dessem outro nome, em vez de casamento, seria bem mais fácil conseguir consensos.
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3 comentários:
talvez... às vezes há palavras que são chavões e arrastam pré-conceitos a si ligados por toda uma educação. Talvez, Theo... mas, pergunto eu agora, isso não seria uma forma de discriminar, também? se o casamento é a legalização da união de dois seres que (se amam e) desejam viver juntos, formarem uma família, porque não sê-lo, também ele semióticamente 'casamento'?
Curioso, porque já tinha pensado que se lhe chamassem "união de facto", talvez a coisa fosse mais fácil.
Mas, se calhar, é preciso chamar às coisas aquilo que elas são para despertar consciências. Chamar-lhe outra coisa talvez fosse só mais um armário.
ola theo.
penso que o problema nao é do significante mas sim do significado que damos ao significante.
as palavras nada siginificam. mas o que está á volta delas, formado pela sociedade, sim.
as relaçoes homosexuais nunca serão aceites nem pela sociedade mais "avançada". é contra natura. e por isso a maior parte nao as aceita.
beijinhos da leonoreta
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