9.10.05

Despojos

sou2rQuando, passados dois meses, Roberta apareceu em casa do pai a sangrar do nariz, consequência de uma “embirração” com a porta do quarto, disse ela, nada fazia prever que essa “embirração” começasse a ser sistemática.
Só quando teve que ir para o hospital, com o maxilar partido, se tornou claro que o marido para além de lhe infringir maus-tratos, a mantinha dominada psicologicamente.
Já era notório o seu temperamento violento quando certa vez entrara em confronto por causa duma pequena viagem que Roberta queria fazer com a avó a casa de uns parentes que viviam mais a norte.
Daí a partir para a agressão física foi um pequeno passo. Roberta evitava discussões, que a propósito de qualquer frase degenerava para um descontrolo capaz de gerar uma cena de violência imparável, com insultos e agressões de toda a ordem.
Ela ia suportando tudo, em silêncio, por vergonha, sempre na esperança que tudo melhorasse depois dele lhe pedir perdão e prometer, chorando, que tudo ia mudar…etc. etc.
História já conhecida de todos nós e sempre com o mesmo fim, isto é, sem fim à vista.
Uma noite Roberta ouviu-o chegar, batendo com as portas; coração acelerado esperou que ele se deitasse sem a incomodar, como às vezes acontecia. Já dormiam em quartos separados desde que numa noite Roberta teve de ir receber assistência ao hospital com um pulso partido, que ele nunca lhe batia na cara para não a desfigurar e as pessoas não se aperceberem do que realmente se passava naquele casal tão aparentemente amoroso.
Coração batendo Roberta aproximou-se da porta e escutava-o andar de um lado para o outro, tropeçando aqui e acolá, por certo já embriagado.
Começou a tremer e a rezar, pedindo a Deus que o afastasse da sua porta, da sua cama, do seu corpo.
Mas foi esse corpo que ele violentou, violando, mais do que isso, a dignidade da mulher, depositando nele o sémen de que resultaria um ser não desejado, que Roberta, ao princípio, odiou mais do que se possa imaginar, mas que durou apenas o tempo do seu desamor.
Seguiu-se uma paz morna e podre, feita de renúncias e despojos, uns tempos sem história em que mal se viam, presumindo Roberta que outra mulher ocupava na vida do marido o lugar que ela definitivamente recusava ocupar.
Mas naquela madrugada, ainda escuro, acordou com o bater da porta, fazendo-a recuar tempos atrás, ficando à escuta…ele entrou no quarto, com olhar alucinado, estendeu um braço na direcção dela e caiu desamparado a meio do caminho.






1 comentário:

Anónimo disse...

Mi, Bem feito! Oxalá tenha tido um treco e fatal.