29.5.05

Na Aldeia

aldeia

Naquele verão as coisas estavam mesmo complicadas.
A vida não dava para descansar e os problemas eram a dobrar.
Tudo seria mais simples se não se importasse com os outros, com a vida deles, com seus desgostos e alegrias, mas não conseguia passar ao lado quando uma vizinha precisava de ajuda ou ganhava uma carta vinda da Austrália, onde viviam filho e netos.
O Inverno fora por demais rigoroso e todos os vizinhos estiveram com gripe, acamados e alguns sem terem quem lhes cuidassem. Estivera por isso bem ocupada a tratar duns e outros e só caiu à cama mesmo só quando já não se aguentava em pé.
Não foram poucos os que, à vez, às vezes dois ou mais, ficaram impossibilitados de tratar de suas vidas.
O Ti Jaquim fora o que mais lhe dera que fazer, que era teimoso que nem burro de Ti Mariana…sempre descalço e ia à vila sem o devido agasalho, recaiu três vezes, quase foi preciso amarra-lo à cama.
A Miquelina, coitada, preocupada com os “trabalhos” que dava aos vizinhos esteve mesmo para ir para o hospital, que a tosse era por demais e toda a aldeia a ouvia, de noite, não lhe dando descanso.
TóAfonso, veio das Franças passar o Natal e já não voltou, o pobre, tão novo, não resistiu…também foi o único, que os demais se safaram; houve quem dissesse que ele já vinha doente, com a maldita.
A avó Albertina foi a que melhor se comportou, não quis ninguém a trata-la, sempre em pé a tratar da casa e da bicharada, que ela tinha um cão e dois gatos, só pedia que lhe levassem pão e leite, que gostava deles frescos.
A febre acabou por passar e as tosses também, que estas que se ouviam agora eram diferentes, alergias, diziam uns, tuberculose d’um ou dois, que a peste tinha voltado a atacar os mais jovens, quando já se esperava que tivesse sido eliminada. E não me venham dizer que é fome que a primeira a adoecer foi a fidalguinha, a filha única do morgado da Ponte, e a esses não faltavam manjares, embora a menina fosse magrita lá por causa das elegâncias.
Mas tudo isso já passara, a primavera fora amena, chovido quanto baste para os pastos não secarem e o Sol viera dar forças a todos os que dele precisavam.
Mas este verão começara ruim, tinha visto na televisão que por lá fora as desgraças eram muitas, gentes a morrer por causa da seca, gado sem pastos e as temperaturas que não paravam de subir, até parecia que as febres tinham dado ao tempo.
Alfredina bem tentou esquecer aquele verão, mas a dor ainda era pesada. Ela que sempre fora uma amiga e um amparo, não tinha uma amiga da sua idade com quem desabafar.
O vestido de noiva apodrecia no armário, até as flores de pano tinham murchado, a grinalda amachucava dentro da caixa junto com o véu.
Dina estou com febre, deve ter sido do sol que apanhei na parada-disse ele...para a semana vou aí falar com o Sr. Prior, acertar melhor a hora do casamento, meus primos só poderão chegar por volta da uma, entretanto fala tu no restaurante, não vá haver algum inconveniente em atrasar uma hora a boda...
Tudo mentira, como foi possível? Joel era casado, um filho até já vinha a caminho...
Tinha apostado, tinha apostado e tinha ganho. Talvez tivesse levado a coisa demasiado longe, mas assim até tinha mais valor...
Dina era bonitinha, depressa arranjaria moço que a quisesse, depois estava inteira, isso ele tinha respeitado, embora uma vez ou outra tivesse sido difícil conter o desejo.
Claro que tudo isto tornara aquele verão muito complicado…
É que para além da dor e da vergonha, Alfredina tinha um grave problema para resolver, e aí uma amiga poderia ajudar eventualmente.
Precisava urgentemente de um pai para o bebé que germinava dentro de si!



4 comentários:

Carlos Gil disse...

(aguardo a continuação...)
Beijito

Franz disse...

Também no aguardo pela continuação.

Franz, o bisbilhoteiro.

Anónimo disse...

A propósito de bebés e do 1 de Junho,

As crianças, o nosso maior património, clamam pela salvaguarda da sua integridade e da sua fatal felicidade.

Urge transcrever o enunciado dos seus direitos em atitudes de gente feliz que cuida de gente feliz.

Viva a th que sabe tão bem contar histórias.

Bastet disse...

A criança não era pois filha de Joel, pois não? Aguardo a continuação th e deixo-te um beijo. :)*