26.8.05

Fala Comigo!



Chegada de férias não estava a entender muito bem o cansaço e o abatimento em que se encontrava.
Era verdade que a estada na aldeia, apesar de nada fazer a não ser um pouco de natação no rio, tinha, talvez por isso mesmo, sido desgastante.
Começou por arrumar algumas roupas e colocou a lavar as restantes, que precisavam. Era sábado e na próxima segunda feira recomeçaria o seu ano de trabalho.
Por ventura seria da tarefa, que lhe dava sono, de tão sem interesse ou porque era daquelas coisas que detestava fazer, teve que se deitar por duas vezes e duma delas até adormeceu.
O mais estranho de tudo era que não lhe apetecia ligar ao João, tinha saudades dele, mas não tinha vontade de o ter a fazer-lhe perguntas, a ter que fazer conversa de fim de férias, a descrever um período que tinha sido, ou deveria ter sido, de descanso. Telefonar-lhe-ia apenas no dia seguinte, era Domingo e podiam ir dar uma volta à beira-mar.
O tempo estava ameno, o Outono não tardaria a chegar, mas estava-se bem passeando ao longo da praia, sem aquela multidão que de verão costumava encher os areais e esplanadas.
João estava alegre e contente por a ter de volta, jantaram em casa de Diana, jantar que ambos prepararam entre risos e carícias, não sem antes terem saciado corpos e afectos naquele amplexo que começando amoroso se tornou, à medida que o desejo aumentava, mais animal e físico.
Mas Diana estava triste, o sexo que a deixava sempre mais enamorada, desta vez foi mais um matar saudades que um apaziguar de instintos, de apagar aquele fogo que no seu ventre chamava por ele, só por dele se lembrar. Quantas vezes, longe que ele estava, tivera que o imaginar enquanto se masturbava, para aquietar o seu desejo, o desejo da pessoa dele.
Era aquele estúpido cansaço, aquele quebranto, que a deixava prostrada e amorfa, desculpa que a si mesma deu, para explicar esta transformação que o próprio João já notara, muito embora Diana disfarçar-se o mais possível. À medida que os meses iam passando o seu desinteresse por tudo ia aumentando, até o João, assim que se apercebeu que a relação deles se tinha deteriorado, começou a espaçar visitas e telefonemas, com desculpas mais ou menos esfarrapadas. Se pensava que isso a aproximaria, estava enganado. Como um círculo vicioso o afastamento dele deixava-a magoada e cada vez menos desejosa do seu corpo e sem o desejo do corpo que era feito do seu amor? Amava-o ainda, mas pensava, por vezes, que só o sexo interessava a João ou tudo se resumira a uma simples atracção física? Dissera ele uma vez que era bom sentir-se amado e desejado, mas teria ele a amado alguma vez?
Ambos evitavam uma conversa, que sabiam final e sem regresso e assim foram passando os meses no tácito consentimento de que tudo devia ficar quieto como pó em cima de velho móvel, em casa abandonada.

No começo da Primavera já quando Diana parecia recuperada da depressão e esgotamento que a afastou de todos, começou a ter horríveis dores de cabeça e ouvido. O cansaço agravara-se de tal forma que teve de meter baixa para poder descansar sempre que precisasse, a mando do seu médico e enquanto não vinham os resultados dos exames que este lhe pediu que fizesse.
Quando finalmente chegaram foi-lhe diagnosticado um tumor junto ao ouvido, muito difícil de operar.
Fui vê-la varias vezes ao hospital, nunca lá encontrei o João, também Diana nunca mais me falou nele, apenas uma vez disse que aos homens apenas interessa o sexo, embora digam que não, todos os outros sentimentos se alicerçam nessa atracção, quer queiramos ou não.
Milagrosamente Diana acabou por sobreviver ao tumor, retomou a sua vida normal, embora tivesse que ter alguns cuidados em relação a assuntos stressantes.
João soube da doença de Diana por interposta pessoa, mas não teve coragem de se aproximar dela e quando anos depois a encontrou limitou-se a abraçá-la silenciosamente, olhá-la nos olhos e partir. Diana aí teve a certeza que ele em qualquer altura a tinha amado de verdade.
Seguiriam suas vidas sem jamais se voltarem a encontrar, quando o que apenas seria necessário, como disse Diana, que ele me tivesse respondido ao meu apelo de..."fala comigo!"

2 comentários:

Luisa Hingá disse...

Theozinha adorei.

Anónimo disse...

Mi... tu és uma grande ficcionista, já te disse! Uma grande conhecedora da natureza humana. Gostei particularmente: "...meses no tácito consentimento de que tudo devia ficar quieto como pó em cima de velho móvel, em casa abandonada." Xi da SH